domingo, abril 17, 2011

Mitologia grega



Patrícia Gaier

É bem comum, em algumas versões de obras gregas, aparecer os nomes dos deuses romanos ao invés de gregos. Um exemplo disso é a Ilíada (Homero), que, na versão da Editora Martin Claret, 2003, os deuses aparecem com seus nomes romanos. Por isso, mostro, nesse post, uma tabela com a relação desses deuses e uma breve explicação do por que eles se identificam.

Entre os séculos II e I a.C., os romanos conquistaram a Península Balcânica, local em que a civilização grega se desenvolveu. Nesse tempo, os romanos escravizaram muitos gregos; entre eles, diversos sábios.

Esses sábios foram levados para Roma, com a finalidade de educar os filhos dos aristocratas imperiais.

Assim, os gregos passaram muito dos seus valores aos romanos, que deram continuidade a essa cultura e mesclaram às suas.

Veja, agora, os nomes que os romanos atribuíram aos deuses gregos:

Deus grego

Deus romano

Função

Zeus

Júpiter

Pai dos deuses e dos homens; deus dos raios e trovões; principal deus do Olimpo.

Cronos

Saturno

Deus do tempo, pai de Zeus. Pertencia à raça dos Titãs.

Hera

Juno

Rainha dos deuses, esposa de Zeus.

Hefesto

Vulvano

Artista do Olimpo, fazia os raios que Zeus lançava sobre os mortais. Filho de Zeus e Hera.

Poseidon

Netuno

Senhor do oceano e das águas, irmão de Zeus.

Hades

Plutão

Deus do reino dos mortos, do mundo subterrâneo; irmão de Zeus.

Ares

Marte

Deus da guerra, filho de Zeus e Hera.

Apolo

Febo

Deus do sol, da arte de atirar com o arco, da música e da profecia. Filho de Zeus e Latona.

Ártemis

Diana

Casta e deusa da caça e da lua, irmã de Apolo.

Afrodite

Vênus

Deusa da beleza e do amor; nasceu das espumas do mar.

Eros

Cupido

Deus do amor, filho de Vênus.

Palas Atena

Minerva

Deusa da sabedoria e da guerra; nasceu da cabeça de Zeus.

Hermes

Mercúrio

Deus da destreza e da habilidade, cultuado pelos comerciantes. Filho de Zeus e mensageiro do Olimpo.

Deméter

Ceres

Deusa da agricultura, filha de Cronos.



quinta-feira, abril 07, 2011

A boca que te beija é a mesma que escarra.


Patrícia Gaier

Um pouco de Poesia Brasileira...

Augusto dos Anjos é um dos meus preferidos. Era cético em relação às possibilidades do amor e, sem pudor, falava da materialdade da vida e da morte.
"A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do "Eu" um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina em 12 de novembro de 1914." Projeto Releituras


Versos Íntimos

Augusto dos Anjos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

MORICONI, Ítalo. Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

terça-feira, abril 05, 2011

História

O povo hebreu: da Mesopotâmia à fundação do Estado de Israel

Patrícia Gaier Martins

Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:1-3)

Abrão, nascido na cidade de Ur, na Mesopotâmia, foi o primeiro patriarca hebreu. Acredita-se que sua família se mudou para Harã por ser uma terra mais próspera. Após a morte do seu pai, Abrão reúne suas riquezas, servos, esposa e seu sobrinho Ló e vai em direção à Canaã, na Palestina. Tinha ele setenta e cinco anos quando saiu de Harã.

Abrão, juntamente com Sarai, peregrinou por muitos anos em busca de melhores pastagens para o seu rebanho. Nesse tempo, conquistou a amizade do rei de Salém, Melquisedeque, que o recebeu em sua terra logo que Terá, o pai de Abrão, faleceu. Também venceu várias batalhas, pelas quais foi reconhecido como um grande líder militar e temido pelos povos vizinhos.

Por volta de 1750 a.C., uma grande seca assolou as terras da Palestina e os hebreus foram obrigados a migrar para o Egito. Fazendo um parênteses, podemos sintetizar a história de Abraão: depois de ter migrado para o Egito, ele volta à Canaã e torna-se rico; separa-se de Ló, que vai embora para Sodoma; tem um filho com sua comcubina, chamado Ismael; muda o nome de Abrão para Abraão e é circuncidado; tem seu primeiro filho, Isaque, com Sarai (mudado para Sara); tem dois netos chamados Jacó e Esaú, filhos de Isaque; e, por fim, morre com cento e setenta e cinco anos. As promessas de Abraão permaneceram para os seus descendentes. Enquanto tudo isso acontecia, os hebreus fixaram suas tendas no Delta do Nilo e, ali, permaneceram por 400 anos.


Nesta época, o Egito estava sob o domínio dos hicsos, que contratavam os hebreus para diversos trabalhos, por acreditarem ser um povo de Deus. Depois que os hicsos foram expulsos pelos egípcios, os hebreus passaram a sofrer perseguições e foram escravizados. Então, surge outro homem escolhido por Deus: Moisés. Liderados por ele, os hebreus deixam o Egito e iniciam o retorno à Palestina, com o objetivo de conquistar Canaã, a Terra Prometida (Êxodo 3). A partir desta pequena viagem (de 40 anos) no deserto, acontecem grandes milagres e marcos históricos, tais como: a grande ruptura do mar vermelho, a provisão do maná e da água (retirada da rocha), a provisão da carne para alimento, a coluna de fogo à noite e a grande nuvem para o dia, a construção do Tabernáculo e da Arca da Aliança, a revelação do Decálogo escrito nas Tábuas da Lei. Tudo isso aconteceu com o povo sendo liderado por Moisés, que forjou os bandos de hebreus, entrelaçou a ideia do Deus único – ainda que insistissem adorar outros deuses – e morreu antes de chegar à Palestina. Até aqui, a história é relatada pelo próprio Moisés a partir de uma visão dada por Deus, que conta desde a criação até os dias de Abraão, e, também, toda a sua jornada com o povo hebreu. São estes os livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.



Após a morte de Moisés, Josué assume a liderança do povo. Conforme a promessa divina de que a descendência de Abraão iria habitar Canaã, o povo é dividido em doze tribos, sendo que dez têm os nomes dos filhos de Jacó (neto de Abraão) – Rúben, Simeão, Levi, Judá, Zebulom, Issacar, Dã, Gade, Aser, Naftali, Benjamim – e duas têm os nomes dos netos de Jacó – Manassés e Efraim, filhos de José. Essas tribos eram autônomas, unindo-se apenas para guerrear contra cananeus e filisteus. Eram lideradas por juízes, chefes guerreiros entre o povo (destacam-se Sansão, Gideão e Samuel). Ao decorrer das lutas contra os povos da Palestina, as tribos perceberam a necessidade de construir um Estado politicamente organizado e implantaram a monarquia por volta de 1000 a.C.

Saul foi o primeiro rei de Israel. Durante o seu reinado, venceu muitas batalhas, mas também teve algumas derrotas e suicidou-se. Foi sucedido por Davi, um jovem pastor de ovelhas, que derrotou Golias, o feroz guerreiro dos filisteus. Em seu governo, organizou o Estado e definiu Jerusalém (fundada por Saul) a capital do reino.

O governo de Salomão, sucessor e filho de Davi, marcou a monarquia. Fortaleceu o poder, criou uma administração eficiente e construiu palácios e templos, destacando-se o Templo de Jerusalém, onde era guardado o Decálogo. Para o sustento do reino e dessas construções, as tribos deveriam pagar tributos à corte, o que as deixou descontentes.



Com a morte de Salomão, Reoboão, seu filho, assume o trono. Neste tempo, instala-se uma crise política sucessória, que levou à divisão das tribos. A esse período da história hebraica atribui-se o nome Cisma, em que o Reino de Israel ou Reino do Norte era constituído por dez tribos, com capital em Samaria, e o Reino de Judá ou Reino do Sul constituído pelas duas tribos Judá e Benjamin, com capital em Jerusalém. Reoboão governa, então, Judá e Jeroboão governa Israel. Com esta divisão de reinos, os hebreus passaram a ser israelitas e judeus.

Reoboão governou Judá por 209 anos. Em 721 a.C., a Assíria invade e conquista Israel, e as dez tribos desaparecem. Provavelmente, por serem distribuídas pelo território assírio, as tribos se dispersaram, uniram-se aos assírios e perderam sua cultura. Menos de dois séculos depois, em 596 a.C., o rei da Babilônia, Nabucodonosor, conquistou Judá, destruiu o Templo de Jerusalém e transferiu o povo judeu para a Mesopotâmia, no Cativeiro Babilônico. Em 538 a.C, o rei Ciro I, da Pérsia, conquistou a Babilônia e permitiu que os judeus retornassem à Jerusalém e reconstruíssem o Templo¹. Em 332 a.C., o império macedônico formado por Alexandre, o Grande, domina a Palestina.

Vários conflitos ocorreram e os judeus foram expulsos novamente da Palestina e dispersos pelas províncias romanas. Esse episódio chama-se Diáspora, que significa dispersão. Sem território próprio, passaram a viver em pequenas comunidades, preservaram sua unidade cultural (língua, religião, costumes) e mantiveram-se como nação até 1948², quando a ONU (Organização das Nações Unidas) criou o Estado de Israel, permitindo o retorno do povo judeu ao antigo território. Porém, a criação de Israel provocou conflitos com os palestinos, populações de origem árabe que há séculos ocupavam a região. E essa situação de guerras na Palestina continua até hoje.



Ora, podemos lembrar da promessa divina feita aos descendentes de Abraão e observar que mesmo tendo sido perseguidos e expulsos de suas casas desde os tempos remotos, os hebreus resistiram e mantiveram sua identidade, tornando-se, assim, uma grande nação.

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¹ Mais tarde, com a invasão romana, o Templo é destruído novamente. Hoje, resta dele o Muro das Lamentações.

² Três anos após o final da II Guerra Mundial (1939-1945), em que judeus foram praticamente exterminados pela Alemanha, sob a liderança de Adolf Hitler.


Referências bibliográficas:

MOTA, M. B.; BRAICK, P.R. História das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 2002.

Alguns livros da Bíblia Sagrada.

Literatura Francesa

UPDATE: para quem quiser fazer download do livro Madame Bovary, de Flaubert, clica aqui.


Bovarismo: o imaginário e a realidade

A personagem mais famosa de Flaubert, Emma Bovary, criava sonhos e imagens românticas, inspirada em seus livros, para preencher o vazio de uma vida repleta de aspirações e insatisfações.

Patrícia Gaier Martins

Madame Bovary é um clássico e ninguém discute. Mas a questão é: por que este livro se tornou um clássico? Primeiramente, é preciso definir o que é um clássico para, depois, verificar as razões por que a obra se classifica como tal.

Ítalo Calvino, em seu ensaio Por que ler os clássicos (1981), define, em quatorze corolários, o que é um clássico. Assim, podemos resumir: um livro clássico é aquele que nos convida à leitura de tanto ouvirmos falar nele, ou a uma releitura, que não deixa de ser uma leitura de descoberta, tão inédita quanto a primeira. Madame Bovary, certamente, por ser citado tantas vezes e por ter produzido uma série de críticas e comentários sobre a moral dos personagens, nos chama a uma leitura e, também, a possíveis releituras.

Para Calvino, um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Desta forma, é preciso sempre projetar uma nova luz sobre a obra que estamos relendo, para que se revelem aspectos despercebidos durante as leituras anteriores. Flaubert, neste magnífico romance, revela, em descrições minuciosas, os estados psíquicos e espirituais de Emma. A esses detalhes, devemos estar atentos, pois são eles que tornam a releitura quase inédita e nos dizem o que ainda não tinham dito.

Um livro que comenta ou critica outro nunca tem mais a dizer do que o livro em questão. É por isso que Calvino recomenda a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível crítica bibliográfica, comentários e interpretações. Ainda diz em seu oitavo corolário: um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.

O romance flauberiano não só rendeu crítica, como também um processo. Em 1857, o Ministério Público de Paris, na figura do advogado Ernest Pinard, acusou Gustave Flaubert, seguido da defesa conduzida por M. Sénard, por ofensa à moral e à religião explícita em Madame Bovary. O livro foi acusado por um crime de linguagem e, antes de sua edição, o júri decidiu absolver o autor mediante a supressão de alguns trechos da obra.

Madame Bovary foi publicado e, como todos os clássicos, foi colocado à prova do tempo. Depois do julgamento, houve muito interesse na leitura da obra, o que resultou em novos comentários e constatações a respeito de Emma Bovary, personagem a quem mais deram atenção pelo seu adultério e frieza para com Charles Bovary, seu marido. Tanto sobreviveu, que após um século e meio, o livro ainda é lido e relido. E, a cada leitura, novos aspectos importantes são analisados.

Emma Bovary, personagem que dá título à obra, é uma das personagens femininas mais complexas dos romances literários. Antes do casamento, se chamava Emma Rouault, filha do senhor Rouault. Morava no campo e cuidava de seu pai. Quando era mais nova, aprendeu a ler romances no convento; tinha grande gosto pelos livros e pela música. Aquele universo romântico, de aventuras amorosas que apareciam nos livros de Emma, fez com que sonhasse em um dia casar, mudar para a cidade, frequentar os teatros, os grandes bailes, vestir belos vestidos, enfim, ter tudo o que não tinha ali, em Bertaux. Charles aparece na vida de Emma e logo se casam. Em pouco tempo, com a convivência, a fantasia se desmancha. A Sra. Bovary começa a ter repulsa por seu marido, que era plano, calmo e sem graça. A história toda mostra o conflito em que a personagem vive: por um lado, a fantasia, o sonho, o imaginário do que ela poderia ser se não estivesse casada com aquele pobre homem; de outro, a realidade, o casamento, a criança Berta e as dívidas.

A partir desse paralelo entre realidade e o mundo imaginário de Emma, surge o termo bovarismo, cunhado, em 1892, por Jules de Gaultier a partir do romance de Gustave Flaubert. Mais tarde, a psicologia apropriou-se deste termo para referir-se a certos tipos de atitude neurótica em que o indivíduo, desprovido de autocrítica, imagina-se diferente do que ele é, idealizando a sua personalidade, especialmente no campo sentimental. Emma Bovary mede a sua vida pelos parâmetros provenientes da sua experiência de leitora. O bovarismo consiste, assim, numa insatisfação com a realidade e demonstra a incapacidade de assumir uma posição crítica em relação à ficção.

Gaultier, em seu livro Le bovarysme, la psychologie dans l’oeuvre de Flaubert (O bovarismo, a psicologia na obra de Flaubert), de 1892, explica: Emma personificou essa doença original da alma humana, para a qual seu nome pode servir de rótulo, se entendermos por ‘bovarismo’ a faculdade que faz o ser humano conceber a si mesmo de outro modo que não aquele que é na verdade. Essa capacidade remete não a uma fraqueza de caráter, mas a um funcionamento psicológico, típico da espécie humana.

Emma foi educada em um colégio de freiras frequentado por meninas da alta sociedade, onde aos 13 anos ela foi submetida à influência de uma menina mais velha, que lhe deu alguns livros: aquilo tudo não passava de amores, amantes, mulheres perseguidas e desmaiando em locais solitários, bosques sombrios, males de amor, juras, soluços, lágrimas e beijos, homens fortes como leões, suaves como cordeiros, virtuosos como nunca se é, sempre bem vestidos e que choram como bebês. O efeito teria sido imediato: ela teria passado a sonhar em viver em algum velho palacete, como as castelãs de longos corpetes, que sob o trevo das arcadas passam os dias com o cotovelo na pedra da janela e o queixo apoiado na mão, olhando ao fundo da paisagem, para ver se do campo chega algum cavaleiro com uma pluma branca no chapéu, galopando um corcel negro. Essa atraente fantasia sentimental, em uma idade precoce, marcaria seu desenvolvimento e se intensificaria com o passar do tempo.

A intensidade imaginativa constitui a face produtiva do bovarismo – a protagonista aspira a algo, tenta escapar de sua condição. No momento em que a heroína do romance conhece Charles, seu marido, ainda está sob influência da nostalgia do colégio de freiras e dos sonhos e histórias com anjinhos de asas douradas, madonas, lagos e gondoleiros. Acredita ter encontrado o amor, mas, rapidamente, se decepciona. Pouco depois do casamento, ela é tomada por um inefável mal-estar, que muda de aspecto como as nuvens e turbilhona como o vento.Nesse momento, a protagonista já vive em um mundo paralelo à morna realidade que a cerca. E esses devaneios se tornarão exacerbados quando ela tiver ocasião de participar de um baile da alta sociedade. De volta para a casa do campo, ela comprou um mapa de Paris, e com a ponta do dedo deslizando sobre ele, fazia compras na capital.

A cada desilusão, Emma é tomada de uma estranha doença nervosa. E para se curar, ela se volta para o marido, busca leituras mais sérias e, por fim, abraça a religião. Mas sempre tem recaídas e choraminga pelo veludo que não tem, pela felicidade que lhe falta, pelos sonhos impossíveis, pela casa pequena demais. Mesmo se aventurando nos amores que sonhava, ela se decepciona com seus amantes, pois não a satisfazem completamente. Então, tem uma última tentativa de fazer de Charles um homem melhor, mas a cirurgia de Hipólito é um fracasso e o arruína ainda mais.

Na verdade, Emma é uma desocupada. A Sra. Bovary, mãe de Charles, já havia aconselhado ele a proibir a mulher de ler seus livros. Ela teria notado que estes distraíam a nora dos afazeres e cuidados da casa. Mas ele não a ouviu. Digo desocupada no sentido de que Emma sentia-se entediada, dando vazão a esses devaneios: seu coração ficou vazio mais uma vez, e então recomeçava a mesma sequência de dias. E eles se seguiriam assim, um depois do outro, sempre iguais, incontáveis, e não trazendo nada! O futuro era um corredor escuro, no fim do qual havia uma porta bem fechada. Também, outra característica atribuída a ela poderia ser a estupidez, pois não se dá conta do absurdo de seus desejos, não faz nada de efetivo para melhorar seu casamento e não tem o menor interesse pelas preocupações alheias. Ela simplesmente não tem os recursos que lhe permitiriam compreender o mundo que a cerca e analisar seus limites. Mas Flaubert consegue poupá-la, mostrando outros personagens tão estúpidos quanto ela, se não mais, por exemplo, o político que faz um ruidoso discurso em uma reunião agrícola, ou o farmacêutico Homais, que despeja uma coleção de ideias feitas sobre todos os assuntos possíveis. Mas esses não interessam tanto, já que somente ela foi levada em consideração no tribunal.

Por fim, esta incrível protagonista terá alucinações, não por arrependimento, mas por causa de suas dívidas adquiridas quando os romances já não a satisfaziam. Ela envenena-se e morre, agonizando. É importante destacar que, nesta hora, é Charles quem fica ao seu lado até a sua morte.

Para mim, clássico é aquele livro que mexe de alguma forma com o mundo real, que provoca discussões e pensamentos sobre a temática da obra, mesmo ultrapassando os limites do tempo. Calvino diz: é clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

Após a leitura e análise da obra, compreendo a razão por que é importante ler este clássico: ler Madame Bovary é melhor do que não ler Madame Bovary.


Referências Bibliográficas

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril, 1971.

GAULTIER, Jules de. Le Bovarysme. La psychologie dans l’oeuvre de Flaubert, 1892.